terça-feira, 7 de janeiro de 2020

BIOGRAFIAS FADISTAS






ALAIN OULMAN

Compositor de uma enorme sensibilidade, Alain Bertrand Robert Oulman nasceu no Dafundo, arredores de Lisboa, a 15 de Junho de 1928, filho de Alberto Bensaúde Oulman e Nicole Calmann-Lévy, um casal francês radicado em Portugal.
Estudou no colégio St. Julian’s em Carcavelos e, ainda muito novo, mostrou-se um entusiasta do teatro, da música e da pintura, e sobretudo dos livros e da poesia portuguesa. Mas, apesar dos seus interesses, a prematura morte do seu irmão mais velho, como voluntário na II Guerra Mundial, fez de Alain o herdeiro da carreira e dos negócios do pai, pelo que seguiu estudos de química, a contragosto, em França e na Suíça.
Após finalizar os estudos, dedicou-se intensamente ao trabalho nas empresas do pai, sempre mantendo a sua paixão pela música.
A sua importância no contexto da música portuguesa é descrita desta forma por David Mourão-Ferreira: “Deve-se a Alain Oulman, logo a partir de finais dos anos 50, a pioneira missão de estabelecer um determinado e fecundo enlace entre a poesia portuguesa de matriz “culta” e essa específica forma da música popular – o Fado – que até aí era objecto de um quase geral e sobranceiro menosprezo por parte da “intelligentzia nacional.” (”Primavera:David Mourão-Ferreira”, pp. 82). E será Amália Rodrigues, a partir do início da década de 1960, a principal divulgadora desse seu talento.
Foi na Ericeira que se deu o encontro entre Alain e Amália. O compositor mostrou-lhe o poema “Vagamundo” de Luís de Macedo e este foi o ponto de partida para a fadista conhecer o intenso trabalho de pesquisa de Alain Oulman. Procurava, na Biblioteca Nacional, os grandes poetas portugueses e, depois, musicava os seus poemas. Esta actividade era realizada com um enorme respeito pela poesia, conforme o próprio expressa em entrevista: “Tenho feito, no que me toca, sempre a música para um poema já escolhido. Só me lembro de um caso em que se passou o contrário: “A Gaivota”, de Alexandre O’Neill, que foi escrita para uma música que já tinha composta. É que um poema de qualidade é uma coisa muito séria e por isso parece-me melhor aceitá-lo e procurar-lhe uma música adequada do que subordiná-lo às exigências de uma composição que lhe foi alheia e o ignorou completamente ao longo da sua elaboração.” (“A Capital”, 27 de Fevereiro, 1971).
O primeiro álbum de trabalho com Amália Rodrigues, o “Busto”, foi editado em 1962, integrando os poemas “Asas Fechadas”, “Cais de Outrora” e “Vagamundo” de Luís Macedo; “Maria Lisboa”, “Madrugada de Alfama”,”Abandono” e “Aves Agoirentas” de David Mourão-Ferreira, todos com música de Alain Oulman. Outros álbuns se seguiram, revelando musicalmente novas composições de Alain Oulman para poetas como Pedro Homem de Mello, José Régio, Alexandre O’Neill ou Luís de Camões. A edição do EP “Amália canta Luís de Camões”, em 1965, escandalizou alguns dos meios tradicionais do Fado, e essa abordagem à poesia de Camões foi inclusive tema de polémica nos jornais da época.
O exílio político aconteceu em 1966, altura em que Alain Oulman era director artístico da Companhia Portuguesa de Comediantes. Na manhã de 18 de Fevereiro três agentes da Pide entraram na casa das Amoreiras, que compartilhava com Felicity Serra, uma inglesa com quem foi casado entre 1962 e 1970, e levaram-no algemado para a sede da Polícia política e, mais tarde, para a prisão de Caxias.
Alain Oulman frequentava os círculos artísticos e literários de Lisboa e, tal como muitos dos seus amigos, era antifascista. Mas a sua colaboração com a Frente de Acção Popular, que levou à sua prisão, resumiu-se a pequenas ajudas que prestava aos pedidos de amigos, “fosse para transmitir uma mensagem, para arranjar um esconderijo por uma noite ou para fazer fotocópias no escritório da firma – Alain Oulman nunca dizia não” (“Indy”, 5 de Dezembro, 1997). Permaneceu cinco semanas na prisão de Caxias, sofrendo longos interrogatórios e as torturas da estátua e do sono.
Por pressão do Governo francês e do seu pai, acabou por ser libertado e expulso do país. Alain Oulman foi para França, mas antes de se estabelecer definitivamente em Paris, em 1968, viveu em Londres. Nesse primeiro ano na capital inglesa, Alain Oulman fez cursos de cenografia e de arte dramática, dedicou-se à música e ao teatro. “Em Portugal estivera já muito ligado ao grupo Lisbon Players, onde conhecera a sua mulher. E à Companhia Portuguesa de Comediantes, de que foi director artístico”, onde trabalhou com actores como Rogério Paulo, Eunice Muñoz e João Perry com quem criou amizades que permaneceram por toda a vida (“Indy”, 5 de Dezembro, 1997). Foi também em Londres que nasceu o seu primeiro filho, Nicolas Oulman.
Radicou-se em Paris em 1968, onde passou a trabalhar com Robert Calmann-Lévy, na editora de livros, aberta por familiares seus em 1836. O contacto entre Amália e Oulman, apesar da distância, manteve-se permanente. E, em 1970, foi editado o álbum “Com que Voz”, novamente um excelente trabalho desenvolvido pelo compositor e pela fadista. Este álbum foi vencedor do IX Prémio da Crítica Discográfica Italiana, em 1971, e em 1975 do Grande Prémio da Cidade de Paris e Grande Prémio do Disco. Desta feita surgem composições para poemas de Cecília Meireles, David Mourão-Ferreira, Manuel Alegre, Luís de Camões, António de Sousa, Alexandre O’Neill, Pedro Homem de Mello e Ary dos Santos. Posteriormente Alain Oulman continuou a compor para Amália. Ao longo da sua carreira, a fadista gravou vinte e duas composições suas em 8 álbuns. Anos mais tarde, Amália Rodrigues revelou, em entrevista: “Para além da música, o Alain, com a sua vasta cultura, fez-me travar conhecimento com grandes poetas. Ele não só fazia as músicas, como ia procurar, aos livros de poesia, letras para as músicas. Dedicou-me um tempo grande. (…) Trabalhámos muito os dois. (…) O Alain trouxe um público que não estava comigo e, ao mesmo tempo, afastou um bocadinho outro público. A começar pelos guitarristas. O José Nunes quando ia tocar coisas do Alain, dizia sempre: “Vamos às óperas!” (“Amália uma biografia”, pp.150).
Com o fim do salazarismo deixou de ser proibida a sua entrada em Portugal e Alain Oulman passou a dividir a sua vida entre Paris e Lisboa. É em Lisboa que nasce o seu segundo filho, Alexandre Oulman, em 1970. Mas, após a morte do seu tio, em 1982, Alain Oulman passa a dedicar-se a tempo inteiro à editora Calmann-Lévy.
Por falta de tempo Alain Oulman adia por três vezes uma operação ao coração e acaba por falecer a 29 de Março de 1990. Nesta data tinha ainda composições prontas para Amália Rodrigues. As suas músicas foram cantadas por outros fadistas, Carlos do Carmo cantou o poema “Gaivota” e António Mourão “Meu amor, meu amor”, mas Alain Oulman sempre fez as suas composições a pensar na voz de Amália Rodrigues. Foi com ela que Alain Oulman deixou marcas na história do Fado, pela abertura deste género à poesia dita erudita.
Em 2002 o compositor foi homenageado no âmbito do Festival da Música e dos Portos, num espectáculo de Katia Guerreiro, José Fontes Rocha, Paulo Parreira, António Pinho Vargas e João Mário Veiga.
Mais recentemente, em 2006, na anual Festa do Avante, Alain Oulman foi objecto de mais um momento de homenagem, protagonizada por uma geração de novos fadistas: Carla Pires, Liana e António Zambujo.
Considerando Alain Oulman um figura fulcral no desenrolar da História do Fado, em particular na segunda metade do século XX, o Museu do Fado apresentou, em Junho de 2009, uma exposição dedicada ao compositor, com o título: “As Mãos Que Trago. Alain Oulman.

Fonte: Museu do Fado - Última actualização: Agosto/2009


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