sábado, 25 de março de 2017

BIOGRAFIAS FADISTAS




CARLOS DO CARMO

Figura maior do panorama fadista, Carlos Alberto do Carmo Almeida, que adoptou o nome artístico de Carlos do Carmo, é filho único da grande fadista Lucília do Carmo e do empresário Alfredo Almeida, e nasceu em Lisboa no dia 21 de Dezembro de 1939.
O fadista fez um curso superior de hotelaria na Suíça, que incluíu um curso de contabilidade e gestão e o estudo de várias línguas estrangeiras, facto que lhe permite falar fluentemente francês, inglês, alemão, italiano e espanhol.
Após a morte do pai, em 1962, Carlos do Carmo fica a gerir a casa de fados Faia, casa aberta pelos seus pais quando tinha apenas 8 anos. No ano seguinte inicia a sua carreira como intérprete, acumulando durante essa década e na seguinte, a gestão da casa com a vida artística. O fadista é casado há mais de 40 anos, tem 3 filhos e 4 netos.
Carlos do Carmo contacta muito prematuramente com o fado, frequenta com os pais as matinés e verbenas de fim-de-semana. Filho de uma das figuras de maior destaque do universo fadista - Lucília do Carmo - o intérprete diz-nos ter começado a ouvir fado no ventre da mãe, e o seu próprio nascimento foi noticiado pelo jornal "Guitarra de Portugal" (cf. “Guitarra de Portugal”, 28 de Dezembro, 1939).
Ao assumir a gestão da casa de fados, Carlos do Carmo começa a prestar outra atenção a este género musical com o qual convivia desde que nasceu. Apesar de apenas saber de cor o Fado "Loucura", de autoria de Júlio de Sousa, ao interpretá-lo numa reunião de amigos, em 1963, é de tal modo elogiada a sua forma de cantar que lhe pedem para gravar essa faixa, editado num EP do seu amigo Mário Simões.
O tema começa a passar regularmente na rádio e, em consequência do sucesso que tem, edita, logo no ano seguinte, um EP em nome próprio, o disco "Carlos do Carmo com Orquestra de Joaquim Luiz Gomes". Desde essa data até hoje o fadista apresenta o seu repertório em edições discográficas regulares, premiadas pela qualidade e pelo número de vendas, construindo e solidificando uma das mais exemplares carreiras do panorama artístico português.
Em 1967 a Casa da Imprensa distingue-o com o prémio “Melhor Intérprete” e, em 1970, atribui-lhe o prémio Pozal Domingues de “Melhor Disco do Ano”, para o seu primeiro álbum, intitulado "O Fado de Carlos do Carmo", editado pela Alvorada em 1969.
Posteriormente lançou numerosos EPs e LPs, como os discos “O Fado em Duas Gerações, Carlos do Carmo e Lucília do Carmo”, “Por Morrer uma Andorinha” ou “Carlos do Carmo”, mas referência obrigatória na história do Fado é o disco "Um Homem na Cidade", editado em 1977 pela Trova, onde o fadista interpreta poemas de Ary dos Santos aliados a um conjunto de composições musicais inovadoras, de autorias tão diversas como José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, António Vitorino de Almeida, Frederico de Brito, Fernando Tordo, Joaquim Luís Gomes, Moniz Pereira ou Martinho d’Assunção.
Temas como “Um Homem na Cidade”, “O Cacilheiro”, “Fado do Campo Grande”, “O Amarelo da Carris” ou “O Homem das Castanhas” tornaram-se verdadeiros clássicos de sucesso entre o vasto repertório de Carlos do Carmo.
Ainda no âmbito da discografia do fadista salienta-se o lançamento, em 1984, de "Um Homem no País", novamente um projecto em torno de poemas de Ary dos Santos, que se destaca como a primeira edição em formato Compact Disc de um artista português.
Desde essa primeira vez em que Carlos do Carmo cantou, de forma informal, para um grupo de amigos, que se sucedem as apresentações ao vivo, em palcos dos cinco continentes. As suas passagens no Olympia de Paris, nas Óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, no Canecão do Rio de Janeiro, no Savoy de Helsínquia, no Auditório Nacional de Paris, no Teatro da Rainha em Haia, no Teatro de São Petersburgo, no Place des Arts em Montréal, no Tivoli de Copenhaga ou no Memorial da América Latina em São Paulo são momentos muito altos na carreira do fadista. Em entrevista ao jornal “A Capital”, Carlos do Carmo revela que “cantar é um acto de prazer, mas sobretudo no palco, que é um constante jogo de sedução, uma troca indescritível de sentimentos e emoções” (cf. “A Capital”; 14 de Dezembro de 1996).
Até ao final do ano de 1979, o fadista acumula a gestão do Faia com a carreira artística, pelo que actua com a sua mãe, de forma diária, na sua casa de fados. Para além desse espaço faz frequentes apresentações na televisão e, em 1972, produz e apresenta um programa semanal na RTP. O "Convívio Musical" pauta-se por ser palco de grandes nomes da canção portuguesa e internacional.
As primeiras digressões são realizadas no início da década de 1970, com espectáculos em Angola, Estados Unidos e Canadá e, em 1973, estreia-se no Brasil, cantando ao lado de Elis Regina, no Copacabana Palace do Rio de Janeiro.
No ano de 1976 o fadista representa Portugal no Festival da Eurovisão na Holanda, com a canção "Uma Flor de Verde Pinho", um poema de Manuel Alegre com música de José Niza. Carlos do Carmo foi o único intérprete do Festival RTP da Canção desse ano, tendo posteriormente editado o disco "Uma Canção Para a Europa", onde se incluíam, para além da canção vencedora, temas como "Estrela da Tarde"(Ary dos Santos – Fernando Tordo), "No teu Poema"(José Luís Tinoco) ou "Lisboa, Menina e Moça"( Ary dos Santos e Joaquim Pessoa – Paulo de Carvalho e Fernando Tordo).
O fadista canta pela primeira vez no Olympia, em Paris, a 11 e 12 de Outubro de 1980 e na Alte Oper de Frankfurt em 1982, palco onde tem tal sucesso que a gravação do espectáculo é editada em disco e onde regressa para actuar nos dois anos seguintes.
Ainda na década de 1980, Carlos do Carmo é distinguido com diversos prémios, dos quais destacamos o prémio “Fadista”, atribuído pela revista “Nova Gente”, em 1983; e o Título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro, em 1987.
O fadista realiza grandes espectáculos comemorativos dos aniversários da sua actividade nomeadamente nos 25, 30, 35 e 40 anos de carreira. O seu percurso internacional foi projectado, como sempre gosta de afirmar, "pelos Portugueses que saíram da minha terra à procura de vida melhor e que me foram passando para as mãos de empresários e agentes culturais dos vários países onde residem".
Na celebração dos seus 25 anos de carreira, em 1988, faz digressões pelos Estados Unidos, Europa e Brasil, facto bastante revelador da sua popularidade, em particular junto das comunidades portuguesas.
No início da década de 1990 Carlos do Carmo sofre um acidente durante um espectáculo em Bordéus, caindo do palco para a primeira fila da plateia, uma queda de uma altura equivalente a um andar, que obriga o fadista a uma longa recuperação. Em Março de 1991 faz o seu regresso no Casino Estoril apresentando um espectáculo intitulado "Vim Para o Fado e Fiquei". E, nesse mesmo ano, a Casa da Imprensa, entrega-lhe o prémio “Prestígio”, no decorrer do espectáculo da Grande Noite do Fado.
Dois anos depois, em 1993, volta a realizar grandes digressões no âmbito da celebração dos 30 anos de carreira. Nesta comemoração edita com as Selecções do Reader's Digest a colecção "O Melhor de Carlos do Carmo", onde apresenta um depoimento sobre cada um dos seus discos.
Um concerto no grande auditório do Centro Cultural de Belém, mais tarde editado em CD, é a forma escolhida para celebrar os 35 anos de actividade de Carlos do Carmo como fadista. E, na soma de 40 anos de carreira, o palco escolhido para a apresentação é o do Coliseu dos Recreios em Lisboa, com posterior lançamento de CD e DVD do espectáculo. O Museu do Fado aliou-se a esta celebração apresentando a exposição "Carlos do Carmo: Um Homem no Mundo", uma mostra relativa à sua vasta e consagrada carreira.
É inquestionável o sucesso dos temas popularizados na voz de Carlos do Carmo, bem como o do próprio fadista como comunicador, demonstrado na apresentação do programa televisivo com o seu nome - "Carlos do Carmo", transmitido em mais de 30 emissões entre 1997 e 1998, onde o fadista dialoga com inúmeros convidados sobre temas que vão desde o óbvio Fado, passando por outras músicas, até história e património ou teatro, entre outros.
No final da década devemos destacar a atribuição, pelo Presidente da República, em 1997, do Grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique e, no ano seguinte o Globo de Ouro "Excelência e Mérito", com que foi distinguido pela SIC.
Apesar de algumas interrupções forçadas por motivos de saúde, Carlos do Carmo mantém-se activamente empenhado em apresentar-se ao vivo para um vasto público que o fadista fidelizou ao longo de mais de 4 décadas.
A intensa actividade de Carlos do Carmo inclui espectáculos por salas dos cinco continentes, programas de televisão onde está bem patente a sua facilidade de comunicação com o público na transmissão de valiosa informação para a história do Fado, mas também uma relação próxima com as novas gerações do fado, por vezes apresentando-se em actuações conjuntas, como já aconteceu com Camané (concerto de encerramento das Festas de Lisboa, na Torre de Belém, em Setembro de 2006, por exemplo) ou Mariza (Gala de Fado do Casino Estoril, a 8 de Junho de 2004, por exemplo). Na verdade é o próprio que revela que “nunca me senti distante das gerações que vão chegando. Eu comecei a cantar para a geração dos meus pais, depois trouxe a minha comigo e outra que é a dos meus filhos”. (cf. “Expresso”, 30 de Novembro de 1996).
Em 2002 a estação de televisão SIC voltou a salientar a actividade de Carlos do Carmo, distinguindo-o com o Globo de Ouro "Melhor Disco do Ano", atribuído pelo lançamento do seu disco “Nove Fados e Uma Canção de Amor".
No dia 7 de Novembro de 2007, Carlos do Carmo apresentou, no Museu do Fado, o seu mais recente trabalho discográfico, um álbum intitulado "À Noite", que reúne textos inéditos de Nuno Júdice, Fernando Pinto do Amaral, Maria do Rosário Pedreira, Júlio Pomar, Luís Represas, José Luís Tinoco e José Manuel Mendes para as músicas de Fados tradicionais da autoria de Armandinho, Joaquim Campos e Alfredo Marceneiro. Este lançamento foi acompanhado de uma pequena mostra expositiva elaborada em torno do seu mais recente disco.
Carlos do Carmo para além de ser das maiores referências da actual interpretação do fado, é também fiel na sua preocupação com a divulgação e estudo desta forma de música, pelo que para além dos já referidos programas de televisão, tem abraçado projectos onde a valorização do Fado é central, de que são exemplo a sua participação na publicitação da maior colecção editada sobre Fado, de título "Um Século de Fado", num lançamento da Ediclube, ou a presença, desde os alvores da sua idealização, no núcleo de consultores do Museu do Fado, ou ainda, a contribuição, também como consultor, no filme "Fados", do conceituado realizador Carlos Saura.
O fadista participa também como intérprete no filme de Carlos Saura o que lhe valeu a atribuição, em 2008, do prémio Goya "Melhor Canção Original", para o tema "Fado da Saudade", distinção da Academia Espanhola das Artes Cinematográficas.
Carlos do Carmo está a festejar os seus 45 anos de carreira, cantando o Fado com a mesma sofisticação e brilhantismo que o têm caracterizado. O fadista revelou a Baptista Bastos que não conhece “música popular na minha terra com mais capacidade narrativa do que o fado” e nós congratulamo-nos por continuar a ouvi-lo cantar essas histórias.

Fonte: Museu do Fado - Última actualização: Junho/2009
 


AUTORES DO FADO









sábado, 18 de março de 2017

BIOGRAFIAS FADISTAS





CARLOS CONDE

“Não chamem nomes ao fado, / Que o fado da nossa fé
Não pode ser acusado / De uma coisa que não é”
Do poema “O fado não é isso” ou “Não chamem nomes ao fado”, esta quadra é um pequeno excerto da abundante obra poética de Carlos Conde.
Carlos Augusto Conde, filho de Maria Antónia da Silva Conde e de Manuel José Conde, nasceu no dia 22 de Novembro de 1901 na povoação do Monte, Murtuosa, distrito de Aveiro. Casou-se com Laura dos Santos em 18 de Setembro de 1936 e desse casamento nasceram três filhas, Noémia, Maria de Lourdes e Flora. Mais tarde mudam-se para Lisboa, fixando-se na Praça das Amoreiras e nestes primeiros anos de transição para a cidade, Carlos Conde emprega-se como chefe de escritório na firma F.H. de Oliveira.
Se antes deste seu percurso profissional, Carlos Conde já escrevia os primeiros versos, a história do fado veio a consagrá-lo como destacado poeta popular, autor de inúmeros repertórios de fados e textos de cegadas, musicados ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado. Quando questionado pela revista “ABC” sobre as temáticas dos seus versos dirá: “O amor, as mulheres, o campo. Adoro as flores, as águas claras, o sol, a luz, a natureza. Tudo o que tenha vida, que tenha alma.” (cf. “Revista ABC”, 23 de Janeiro de 1931). Dono de um talento imenso, a sua pena fixou o imaginário de Lisboa, descrevendo costumes, personalidades, recantos, becos, vielas, festividades e outros temas do quotidiano da capital.
Em 1924 o jornal “A Alma de Portugal” dava destaque a Carlos Conde, caracterizando o jovem poeta: “Carlos Conde pertence a essa plêiade de novos que nos últimos tempos se tem evidenciado, na sua bagagem literária encontram-se produções de merecimento (…) Carlos Conde não sendo contudo um consagrado é no entanto um novel com inspiração, a sua obra encontra-se espalhada nas mãos dos mais competentíssimos cantadores e dispersa nas colunas dos inúmeros jornaes onde tem colaborado com proficiente estudo.” (cf. “A Alma de Portugal”, 1ª Quinz. de Setembro de 1924). A notoriedade de Carlos Conde foi muitas vezes referenciada pelos periódicos de fado, que surgiram ao longo das décadas de 20, 30 e 40 do passado século, fulcrais na legitimação e divulgação desta expressão musical.
Dada a impossibilidade de nomearmos todos os textos de cegadas que Carlos Conde escreveu destacamos os títulos: “O Crime Daquela Noite” (1946) com música de Alfredo Silva, “Homem ao Mar” (1950) música de Casimiro Ramos, “Quatro Contos a Mais” (1959), música de Albertino Vilar, entre muitos outros textos. Estas e outras cegadas tinham lugar nas colectividades, clubes e festas que povoavam a cidade de Lisboa e arredores.
A paixão pela escrita leva Carlos Conde a participar e a concorrer em numerosos concursos poéticos alcançando, na maioria das vezes, os primeiros prémios e menções honrosas. Destaque para a vitória alcançada, em 1966, com a letra para o “Hino da Força Aérea”, reforçando os méritos entretanto já atribuídos ao poeta ao longo de outras décadas.
Profundamente acarinhado pelo universo do fado, os seus poemas foram cantados na voz dos grandes vultos do fado : Ada de Castro, Adelina Ramos, Amália Rodrigues, Argentina Santos, Ercília Costa, Fernanda Maria, Lucília do Carmo, Maria Amélia Proença, Maria da Fé, Alfredo Duarte Júnior, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Fernando Maurício, Gabino Ferreira, João Ferreira Rosa, Raul Pereira, Rodrigo, Vítor Duarte, entre muitos outros. Carlos Conde foi autor de centenas de letras de Fado, e revelam-no como um dos expoentes máximo na área. Esses fados, traduziram-se em verdadeiros sucessos nas vozes de muitos fadistas: “A mulher que já foi tua”, “Baile dos Quintalinhos”, “Bairros de Lisboa”, “Um resto de Mouraria”, “O Fado da Bica”, “Não sou ciumenta”, “Rapsódia de fado antigo”, “Trem desmantelado”, “Não passes com ela à minha rua”, “Fins do século passado”, entre muitos outros…
Paralelamente à sua projecção como poeta, Carlos Conde foi alvo de um grande número de homenagens, com especial destaque para o almoço comemorativo do seu 50º aniversário, e que teve lugar no dia 22 Novembro de 1951, na Adega Mesquita, com a presença de Francisco Radamanto, Felipe Pinto, Dr. Amaro de Almeida, Amália Rodrigues, Teresa Nunes, Alfredo Marceneiro, entre outros. Outras festas de homenagens ocorreram contando com a presença de muitos nomes do universo artístico da rádio, do teatro e do fado e que souberam enaltecer a grandiosidade da sua obra poética e humana.
Vítima de um trágico acidente de viação, Carlos Conde virá a falecer em Julho de 1981.
Em 2001 a Câmara Municipal de Lisboa, presta ao poeta uma última homenagem, ao atribuir o seu nome a uma das artérias da cidade situada na zona de Campolide.
Paulo Conde, neto de Carlos Conde, lançou em Setembro de 2001 o livro “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”. Tratando-se de um inesgotável tributo ao seu avô, Paulo Conde revê toda a vida e consequente obra literária daquele que é hoje considerado como uma referência na poesia de fado.

Fonte: Museu do Fado - Última actualização: Maio de 2009

AUTORES DO FADO











sábado, 11 de março de 2017

BIOGRAFIAS FADISTAS





BERTA CARDOSO

Berta dos Santos Cardoso, que adoptou o nome artístico de Berta Cardoso, nasceu em Lisboa, na Rua da Condessa (ao Carmo), a 21 de Outubro de 1911. Os pais, Américo Melande Cardoso e Rosalina Jorge dos Santos, tinham já quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, frutos de ligações anteriores.
Com apenas 9 anos, e em virtude de ficar órfã de pai, a sua educação passou a estar a cargo de uma instituição oficial, ditando-se assim um afastamento da mãe e dos irmãos, até à data em que Berta Cardoso consegue a sua independência económica e volta a ter junto de si a sua mãe.
Por influência de um dos seus irmãos, Américo dos Santos, que era violista amador, estreia-se no Salão Artístico de Fados, no Parque Mayer, com apenas 16 anos (1927). O êxito da sua actuação fez com que ficasse logo a trabalhar nessa casa.
Também no ano de 1927, Berta Cardoso foi mãe pela primeira vez de um rapaz a que deu o nome de Humberto, tragicamente falecido em Moçambique, em 1959, onde residia com o pai, com apenas 26 anos. Nunca casou, mas teve ainda um outro filho, de nome Américo.
Num tempo em que o Fado começa a ser cantado no Teatro de Revista por cantadores profissionais, e já não pelos actores e actrizes a representar nas peças, Berta Cardoso surge como uma das cantadeiras que faz larga carreira neste tipo de espectáculo.
Dois anos depois de se ter apresentado em público pela primeira vez, no Salão Artístico de Fados, a cantadeira inicia-se neste meio, com a participação na revista "Ricócó", em 1929, no Teatro Maria Vitória do Parque Mayer. Nesse mesmo teatro, integra outros espectáculos como o "Viva o Jazz!" e "A Nau Catrineta", revistas em cartaz no ano de 1931. Esta actividade será intercalada ao longo da sua vida com o constante envolvimento em diversas actuações de Fado. Assim, em 1932, a fadista é apresentada no elenco do Salão Jansen e, nesse mesmo ano, recebe um convite para se juntar à Companhia Maria das Neves. Passa a integrar um elenco protagonizado por Beatriz Costa e parte numa digressão de vários meses com rumo ao Brasil. As suas interpretações têm tal sucesso que são vários os jornais brasileiros a destacar a sua forma de cantar e a calorosa recepção do público presente nos espectáculos.
Em meados da década de 1930 já a cantadeira é uma presença incontornável no universo fadista, acumulando as críticas que a retratam, por exemplo, como "artista e mulher que tão magnificentemente sabe imprimir sentimento a todos os Fados, a todas as canções trinadas na sua majestosa garganta, que mais parece um rosário de notas musicais, tocadas de qualquer ritmo divino, que uma voz humana" (Cf. "Canção do Sul", 16 de Janeiro de 1936).
Tal como Ercília Costa, Berta Cardoso tem um papel fundamental num primeiro período de internacionalização do Fado, com deslocações que se centram no Brasil, nas ilhas e nas colónias portuguesas. Testemunho dessa linha de novos mercados, é não só a viagem ao Brasil realizada com a Companhia Maria das Neves, mas também o agrupamento com outros intérpretes de nomeada para uma longa digressão em terras africanas.
Neste contexto surge o "Grupo Artístico de Fados", formado pelas cantadeiras Berta Cardoso e Madalena de Melo, e pelos instrumentistas Armando Augusto Freire (Armandinho), Martinho d’ Assunção Junior e João da Mata, que é constituído no ano seguinte, 1933. Este conjunto de intérpretes de renome parte a bordo do navio Niassa para um percurso de espectáculos na África Ocidental e Oriental e também nas ilhas portuguesas. Concretiza-se como a primeira viagem que o Fado faz a África, tornando-se numa digressão muito noticiada pelos jornais, uma vez que os espectáculos se desenrolam ao longo de quase um ano, passando por diversos locais, de onde destacamos Angola, Moçambique e Rodésia.
Fadista muito apreciada pelo público e pela crítica, Berta Cardoso faz a sua primeira gravação discográfica em 1931, para a editora Odeon, e a convite dos representantes da marca em Lisboa desloca-se a Madrid para gravar juntamente com Cecília de Almeida, estando o acompanhamento de ambas a cargo da guitarra de Armandinho e da viola de Georgino de Sousa. Nos anos trinta e quarenta do século XX, Berta Cardoso prossegue a gravação de discos, nesta altura para a editora Valentim de Carvalho.
Berta Cardoso desenvolve uma actividade intensa ligada ao Teatro de Revista, onde se apresenta com uma regularidade de cerca de duas peças por ano. Aparece frequentemente na imprensa, em particular na que se dedica a temas fadistas, que vai fazendo o registo da sua interpretação de números de Fado nestas peças, e lhe dispensa numerosas apreciações que nos permitem assegurar o seu lugar de destaque junto do público e da crítica.
Nos anos de 1936 a 1938, Berta Cardoso participa em diversas revistas, apresentadas em palcos de diferentes teatros. Mas, apesar das muitas intervenções e da grande relação com os palcos teatrais, Berta Cardoso considera-se sempre uma cantadeira e continua a assegurar apresentações em elencos dos melhores espaços e casas de Fado de Lisboa, nomeadamente no Café Luso, em 1936, e no Retiro da Severa, em 1937.
Neste mesmo ano, e nesta última casa, Retiro da Severa, o elenco privativo transforma-se na "Embaixada do Fado do Retiro da Severa", integrando grandes nomes como Maria Emília Ferreira, Maria do Carmo Torres, Alfredo Duarte (Marceneiro), Júlio Proença, ou José Porfírio. Esta Embaixada desloca-se para actuar, durante vários dias, no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, e no Teatro Variedades, com apresentações sempre esgotadas e descrições nos jornais, tanto no norte como em Lisboa, de um espectáculo de grande qualidade, onde muitas vezes são destacadas as actuações de Berta Cardoso e Alfredo Marceneiro.
Em 1939 a fadista é contratada pela Companhia Beatriz Costa, que tem em Beatriz Costa a figura central, para fazer um regresso a terras brasileiras, onde se estreiam, no mês de Março, com a revista "Eh, Real", no Teatro República do Rio de Janeiro. Apresentam também as revistas "Oh, meu rico São João", "Dança da Luta" e "Pega-me ao Colo".
Ainda em 1939 a fadista é homenageada pelos seus colegas no Retiro da Severa e, antes de embarcar para o Brasil, grava, com Alfredo Marceneiro, actuações no Teatro Variedades e no Retiro do Colete Encarnado, que serão apresentadas no filme "Feitiço do Império", de António Lopes Ribeiro. Este filme estreia nas salas de cinema em 1940, e tem apresentações até 1952.
Após o regresso do Brasil, em 1940, passa a integrar a "Embaixada do Fado do Solar da Alegria", que obtêm grande êxito em deslocações ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Neste elenco juntam-se a Berta Cardoso, outros nomes consagrados da interpretação do Fado, caso de Maria Carmen, Júlio Proença e Amália Rodrigues. Também no decorrer deste ano, Berta Cardoso prossegue as suas interpretações no teatro, participando nas peças "Porto ao Sol", no Teatro Sá da Bandeira, e "Toma Lá Cerejas!", estreada no Teatro Pax-Julia com a Companhia do Teatro Apolo. Posteriormente a fadista integra o elenco da empresa Monumental, como primeira figura do elenco (cf. "Guitarra de Portugal", 25 de Dezembro de 1945), com o qual se apresenta não só em Lisboa, mas também no Porto. Nos anos seguintes Berta Cardoso viaja para actuar no Cine-Jardim, na Madeira, em 1947, e, em 1948, na peça "Isto é o Porto", levada à cena no Teatro Sá da Bandeira, no Porto.
A revista "Lisboa é Coisa Boa", de autoria de Eduardo Fernandes e Ricardo Covões, estreia em Fevereiro de 1951, no Coliseu dos Recreios, precisamente no dia em que se realiza o funeral da mãe de Berta Cardoso, sendo feito um reconhecimento público à fadista pelo seu profissionalismo, por se ter mantido em actuação num momento tão doloroso.
Também durante o mês de Fevereiro de 1951, Berta Cardoso tirou a sua carteira profissional, inscrevendo-se na categoria de "Artista Dramática". Mas a partir de 1960, a cantadeira decide abandonar definitivamente os palcos do teatro de revista.
Prossegue pois com a sua carreira de fadista e com as gravações discográficas que, durante as décadas de 1950 e 1960, são realizadas na Estoril, a mesma editora que muitas décadas mais tarde, em 1992, lança o CD "Orquestra de Guitarras", numa edição especial numerada e autografada, que integra seis dos seus Fados com maior êxito.
A partir desta altura, a actividade artística de Berta Cardoso vai-se centrando mais nas actuações em Casas de Fado, como é o caso do Faia, casa onde os seus colegas e amigos lhe prestam uma merecida homenagem em 1954.
Desde 1961 e até ao final da década seguinte, Berta Cardoso estabelece-se no elenco da Viela, casa onde foi, também, homenageada em 1967.
Como figura conceituada da interpretação do Fado tradicional, Berta Cardoso fez também as suas aparições na televisão, destacando-se a sua presença, em 1969, no programa de grande audiência "Zip, Zip", ou na transmissão da sua festa no programa "Bodas de Ouro de uma Fadista".
Berta Cardoso finaliza a sua longa carreira artística no ano de 1982, quando actua no Poeta, espaço aberto, nesse mesmo ano, pelo poeta José Luís Gordo e a sua esposa, a fadista Maria da Fé.
Apesar de concluir o curso de enfermagem, com a especialização de obstetrícia, na Faculdade de Medicina, em 1943, e de vários jornais e revistas anunciarem o seu afastamento dos palcos do Fado, tal nunca veio a suceder. Berta Cardoso nunca exerceu as funções de enfermeira e manteve a profissão de cantadeira muito activa até 1982.
Berta Cardoso foi internada num lar da Santa Casa da Misericórdia por lhe ter sido diagnosticada uma doença degenerativa do sistema nervoso, já em estado muito avançado, em 1996, a qual implicava cuidados e vigilância permanentes, tendo falecido, nesse mesmo lar, a 12 de Julho de 1997.
Já após a sua morte foram editados vários CD’s com a sua obra gravada, nomeadamente "The Story of Fado", pela editora Hemisphere, em 1997, "Portugal, Fado: Chant de l’mee", pelas Éditions du Chên, em 1998, "Berta Cardoso, Márcia Condessa e Adelina Ramos", na colecção "Fados do Fado", da editora Movieplay, em 1998 e, da mesma editora o volume 1 da colecção "Fado Português", editado em 1999.
Reconhecendo Berta Cardoso como uma figura emblemática do Fado tradicional, com uma larga carreira sempre associada a esta canção urbana e representante de um período muito característico da História do Fado, em 2006, o Museu do Fado organizou uma exposição temporária centrada nesta fadista.

Fonte: Museu do Fado - Última actualização: Março/2008