sábado, 18 de janeiro de 2020

BIOGRAFIAS FADISTAS





ALFREDO MARCENEIRO

Alfredo Rodrigo Duarte, que ficou conhecido por Alfredo Marceneiro, dada a sua profissão, nasceu em Lisboa, no dia 29 de Fevereiro de 1888, embora o seu bilhete de identidade referisse o seu nascimento a 25 de Fevereiro de 1891.
Filho de Gertrudes da Conceição e Rodrigo Duarte, Alfredo foi o primeiro filho do casal, seguiram-se dois irmãos - Júlio e Álvaro - e uma irmã - Júlia.
Em 1905, quando tinha apenas 13 anos, o seu pai faleceu e Alfredo Duarte abandonou os estudos para ir trabalhar e ajudar no sustento da família. O seu primeiro emprego foi o de aprendiz de encadernador. Tomou contacto com o Fado ao assistir às cegadas de rua. Conheceu então Júlio Janota que, para além de participar nas cegadas, tinha o ofício de marceneiro e lhe arranjou lugar como seu aprendiz numa oficina em Campo de Ourique.
Alfredo Duarte começou por cantar Fados nos bailes populares que frequentava, entre os 14 e os 17 anos. É nesta altura, em 1908, que faz a sua estreia na cegada do poeta Henrique Lageosa, inspirada no argumento do filme mudo O Duque de Guise, onde interpreta o papel da amante do Duque.
Para além de participar nas cegadas, onde desenvolve o seu método de dizer bem e dividir as orações, Alfredo Duarte começa a cantar em diversas festas de solidariedade e nos retiros do Caliça, Bacalhau, José dos Pacatos, Cachamorra, Baralisa e Romualdo, mas é no 14 do Largo do Rato que se torna mais conhecido.
É alcunhado de "Alfredo Lulu" por se vestir de forma elegante e aprumada, mas será o apelido de "Marceneiro", que se eternizará, cantado pelo próprio fadista no poema de Armando Neves, de que reproduzimos um excerto:
"Orgulho-me de ser em toda a parte / Português e fadista verdadeiro,
Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte / Sou para toda a gente o Marceneiro"
Esse nome artístico - "Alfredo Marceneiro" - surge numa festa de homenagem aos cantadores Alfredo dos Santos Correeiro e José Bacalhau, como o próprio fadista conta: "Uma noite fui convidado por amigos que já me tinham ouvido cantar em paródias próprias da idade a ir ao Club Montanha (hoje Ritz). Dirigia a festa o poeta Manuel Soares e perguntou: «Quem é este rapazinho? Como se chama? Que ofício tem?» Então, quando me apresentou ao público, esquecendo o meu apelido, anunciou: «Vai cantar a seguir o principiante Alfredo... Alfredo... Olhem não me ocorre o apelido. É Alfredo... Marceneiro...» E ainda hoje sou o Alfredo Marceneiro." (cf.”Guitarra de Portugal”, 15 Julho de 1946).
Ao longo da sua vasta carreira, e apesar de manter a sua profissão de marceneiro, Alfredo Duarte é contratado para exibições em casas como o Clube Olímpia, onde esteve com Armandinho, Júlio Proença e Filipe Pinto, e depois em outras casas típicas como a Boémia, na Travessa da Palha, o Ferro de Engomar, o Castelo dos Mouros, o Solar da Alegria, ou o Júlio das Farturas, onde cantou durante um ano.
No ano de 1924 participa num concurso de Fados do Sul-América, um espaço situado na Rua da Palma, e onde ganhou a "Medalha de Ouro". Nesse mesmo ano canta durante dois meses no Chiado Terrasse para animar as noites de cinema e é presença na "Festa do Fado" organizada pelo jornal "Guitarra de Portugal" no Teatro São Luiz.
A partir desta data a sua carreira prossegue com grande sucesso actuando em casas como o Retiro da Severa, o Solar da Alegria ou o Café Mondego. Chega mesmo a ter a sua própria casa, o Solar do Marceneiro, no final da década de 1940, mas sendo um espírito irrequieto não consegue cingir-se a cantar diariamente nesse espaço.
Como exemplo dos momentos mais evidentes da admiração e fama que adquiriu ao longo da sua longa carreira salientamos: a organização de uma festa artística, em 1933 no Júlio das Farturas do Parque Mayer; em 1936, o segundo lugar do título "Marialva", ganho num concurso do Retiro da Severa; a 10 de Maio de 1941, um outro espectáculo denominado "Festa Artística de Alfredo Marceneiro", desta feita no Solar da Alegria; ou, ainda, a consagração como "Rei do Fado", no Café Luso, a 3 de Janeiro de 1948.
Apesar do sucesso da sua carreira nunca saiu de Portugal para actuações e raramente deixou Lisboa, embora na década de 1930 tivesse integrado alguns espectáculos de grupos criados para efectuar tournées por Portugal, caso da "Troupe Guitarra de Portugal", com Ercília Costa, Rosa Costa, Alberto Costa, João Fernandes (guitarra) e Santos Moreira (viola); ou da "Troup Artística de Fados Armandinho", com Armandinho, Georgino Gonçalves, Cecília d’ Almeida, Filipe Pinto e José Porfírio.
Alfredo Marceneiro cantou também no Teatro, subindo ao palco do Coliseu dos Recreios, em 1930, com a Opereta "História do Fado", onde actuavam Beatriz Costa e Vasco Santana. As suas interpretações em palcos de teatros incluíram também o São Luiz, o Avenida, o Apolo, o Éden - Teatro, o Capitólio, o Politeama, o Maria Vitória, e outros.
Em 1939, com a conhecida cantadeira Berta Cardoso, grava actuações no Teatro Variedades e no Retiro do Colete Encarnado, que serão apresentadas no filme" Feitiço do Império", de António Lopes Ribeiro. O "Feitiço do Império" estreia nas salas de cinema em 1940, e tem apresentações até 1952. O filme foi protagonizado por Luís de Campos e Isabela Tovar, Francisco Ribeiro (Ribeirinho), António Silva e Madalena Sotto. Lamentavelmente, a película existente na Cinemateca Portuguesa apresenta-se bastante deteriorada.
As gravações discográficas da sua obra não são muitas, uma vez que não apreciava cantar senão nos locais que considerava próprios e com a presença do público. Assim, apesar de ter gravado o seu primeiro disco, para a Casa Cardoso, em 1930, com os temas "Remorso" e "Natal do Criminoso", passou logo depois a ser artista privativo da Valentim de Carvalho. Seguiram-se apenas quatro LP’s e três EP’s, o último, "Fabuloso Marceneiro", gravado aos 70 anos.
O fadista também fez poucas aparições em programas de televisão. Em 1969, uma equipa técnica constituída por Henrique Mendes e Carlos do Carmo, como produtores, Luís Andrade, como realizador e José Maria Tudella, como operador de imagem, tem de se deslocar ao Bairro Alto para acompanhar Alfredo Marceneiro nas suas interpretações e poder assim realizar uma reportagem documental para a RTP. Dez anos mais tarde, em 1979, será pela intervenção do seu neto Vítor Duarte, que acederá a realizar um programa para a RTP, o qual foi exibido a 14 de Janeiro de 1980 e editado em DVD, pela Ovação, em 2007.
Apesar da sua fama e sucesso crescente mantém a profissão de marceneiro, até à década de 1930 nas oficinas de Diamantino Tojal e, posteriormente, nas Construções Navais do Arsenal do Alfeite, que depois passaram a ser administradas pela C.U.F..
Só em 1946 se dedica exclusivamente ao Fado como profissional, conservando no entanto em casa o banco de marceneiro e as ferramentas com que se entretinha a fazer pequenos trabalhos, um dos quais "A Casa da Mariquinhas", obra que merece especial relevo pelo cariz emblemático que assume para a própria História do Fado de Lisboa. Trata-se de uma construção em madeira, na escala de 1 por 10, em que, inspirado na letra de Silva Tavares, construíu/reconstruíu a casa evocada na descrição do poeta. Esta peça está actualmente na exposição permanente do Museu do Fado.
Alfredo Marceneiro considerava-se um estilista e nesta criação de estilos acabou por ser autor de composições que são hoje consideradas Fados tradicionais. A sua primeira composição foi a "Marcha do Alfredo Marceneiro", mas seguiram-se muitas outras como: "Fado Laranjeira", "Lembro-me de ti", "Fado Bailado", "Fado Bailarico", "Fado Balada", "Fado Cabaré", "Fado Cravo", "Fado CUF", "Fado Louco", "Mocita dos Caracóis", "Fado Pagem", "Fado Pierrot", "Bêbado Pintor" e "Fado Aida". Com a ajuda de Armando Augusto Freire (Armandinho), que lhe passa para pauta as suas criações, o fadista regista as suas músicas na Sociedade de Escritores e Autores Teatrais Portugueses.
O fadista foi pai de cinco filhos. Os primeiros dois: Rodrigo Duarte e Esmeraldo Duarte, resultaram de duas relações efémeras e os outros três: Carlos, Alfredo e Aida são fruto da sua união com Judite de Sousa Figueiredo com quem viveu até à data da sua morte, a 26 de Junho de 1982.
"Ti’ Alfredo" para os fadistas e amigos continua a ser considerado um dos fadistas maiores, seguido como um modelo na forma de dividir os versos cantados, não permitindo que as pausas musicais interrompam o sentido das orações. A sua figura característica, sempre de boina e lenço de seda ao pescoço, será recordada juntamente com o seu modo particular de interpretar, com o balancear de ombros e tronco e as mãos nos bolsos.
Alfredo Marceneiro reforma-se em 1963, realizando-se a 25 de Maio desse ano, no Teatro S. Luiz, a festa de título: A MADRUGADA DO FADO - Consagração e despedida do Grande Artista Alfredo Duarte Marceneiro. Na verdade esta não foi uma despedida, Alfredo Marceneiro continuou a cantar durante quase mais duas décadas.
Em 23 de Junho de 1980, numa cerimónia realizada no Teatro São Luiz, é-lhe entregue a "Medalha de Ouro de Mérito da Cidade de Lisboa", pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Krus Abecassis.
Homenagens póstumas:
- "Comenda da Ordem do Infante D. Henrique", atribuída a 10 de Junho de 1984 pelo Presidente da República General Ramalho Eanes;
- A Câmara Municipal de Lisboa dá o seu nome a uma rua do Bairro de Chelas;
- Em 1991 foi comemorado o centenário do nascimento do fadista e entre outros eventos foi lançado o duplo álbum "O melhor de Alfredo Marceneiro" (EMI-Valentim de Carvalho) e foi exibido na RTP o documentário "Alfredo Marceneiro é só Fado".

Fonte: Museu do Fado - Última actualização: Novembro/2007

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