BERTA
CARDOSO
Berta
dos Santos Cardoso, que adoptou o nome artístico de Berta Cardoso, nasceu em
Lisboa, na Rua da Condessa (ao Carmo), a 21 de Outubro de 1911. Os pais,
Américo Melande Cardoso e Rosalina Jorge dos Santos, tinham já quatro filhos,
dois rapazes e duas raparigas, frutos de ligações anteriores.
Com
apenas 9 anos, e em virtude de ficar órfã de pai, a sua educação passou a estar
a cargo de uma instituição oficial, ditando-se assim um afastamento da mãe e
dos irmãos, até à data em que Berta Cardoso consegue a sua independência
económica e volta a ter junto de si a sua mãe.
Por
influência de um dos seus irmãos, Américo dos Santos, que era violista amador,
estreia-se no Salão Artístico de Fados, no Parque Mayer, com apenas 16 anos
(1927). O êxito da sua actuação fez com que ficasse logo a trabalhar nessa
casa.
Também
no ano de 1927, Berta Cardoso foi mãe pela primeira vez de um rapaz a que deu o
nome de Humberto, tragicamente falecido em Moçambique, em 1959, onde residia
com o pai, com apenas 26 anos. Nunca casou, mas teve ainda um outro filho, de
nome Américo.
Num
tempo em que o Fado começa a ser cantado no Teatro de Revista por cantadores
profissionais, e já não pelos actores e actrizes a representar nas peças, Berta
Cardoso surge como uma das cantadeiras que faz larga carreira neste tipo de
espectáculo.
Dois
anos depois de se ter apresentado em público pela primeira vez, no Salão
Artístico de Fados, a cantadeira inicia-se neste meio, com a participação na
revista "Ricócó", em 1929, no Teatro Maria Vitória do Parque Mayer.
Nesse mesmo teatro, integra outros espectáculos como o "Viva o Jazz!"
e "A Nau Catrineta", revistas em cartaz no ano de 1931. Esta
actividade será intercalada ao longo da sua vida com o constante envolvimento
em diversas actuações de Fado. Assim, em 1932, a fadista é apresentada no
elenco do Salão Jansen e, nesse mesmo ano, recebe um convite para se juntar à
Companhia Maria das Neves. Passa a integrar um elenco protagonizado por Beatriz
Costa e parte numa digressão de vários meses com rumo ao Brasil. As suas
interpretações têm tal sucesso que são vários os jornais brasileiros a destacar
a sua forma de cantar e a calorosa recepção do público presente nos espectáculos.
Em
meados da década de 1930 já a cantadeira é uma presença incontornável no
universo fadista, acumulando as críticas que a retratam, por exemplo, como
"artista e mulher que tão magnificentemente sabe imprimir sentimento a
todos os Fados, a todas as canções trinadas na sua majestosa garganta, que mais
parece um rosário de notas musicais, tocadas de qualquer ritmo divino, que uma
voz humana" (Cf. "Canção do Sul", 16 de Janeiro de 1936).
Tal
como Ercília Costa, Berta Cardoso tem um papel fundamental num primeiro período
de internacionalização do Fado, com deslocações que se centram no Brasil, nas
ilhas e nas colónias portuguesas. Testemunho dessa linha de novos mercados, é
não só a viagem ao Brasil realizada com a Companhia Maria das Neves, mas também
o agrupamento com outros intérpretes de nomeada para uma longa digressão em
terras africanas.
Neste
contexto surge o "Grupo Artístico de Fados", formado pelas
cantadeiras Berta Cardoso e Madalena de Melo, e pelos instrumentistas Armando
Augusto Freire (Armandinho), Martinho d’ Assunção Junior e João da Mata, que é
constituído no ano seguinte, 1933. Este conjunto de intérpretes de renome parte
a bordo do navio Niassa para um percurso de espectáculos na África Ocidental e
Oriental e também nas ilhas portuguesas. Concretiza-se como a primeira viagem
que o Fado faz a África, tornando-se numa digressão muito noticiada pelos
jornais, uma vez que os espectáculos se desenrolam ao longo de quase um ano,
passando por diversos locais, de onde destacamos Angola, Moçambique e Rodésia.
Fadista
muito apreciada pelo público e pela crítica, Berta Cardoso faz a sua primeira
gravação discográfica em 1931, para a editora Odeon, e a convite dos
representantes da marca em Lisboa desloca-se a Madrid para gravar juntamente
com Cecília de Almeida, estando o acompanhamento de ambas a cargo da guitarra
de Armandinho e da viola de Georgino de Sousa. Nos anos trinta e quarenta do
século XX, Berta Cardoso prossegue a gravação de discos, nesta altura para a
editora Valentim de Carvalho.
Berta
Cardoso desenvolve uma actividade intensa ligada ao Teatro de Revista, onde se
apresenta com uma regularidade de cerca de duas peças por ano. Aparece
frequentemente na imprensa, em particular na que se dedica a temas fadistas,
que vai fazendo o registo da sua interpretação de números de Fado nestas peças,
e lhe dispensa numerosas apreciações que nos permitem assegurar o seu lugar de
destaque junto do público e da crítica.
Nos
anos de 1936 a 1938, Berta Cardoso participa em diversas revistas, apresentadas
em palcos de diferentes teatros. Mas, apesar das muitas intervenções e da
grande relação com os palcos teatrais, Berta Cardoso considera-se sempre uma
cantadeira e continua a assegurar apresentações em elencos dos melhores espaços
e casas de Fado de Lisboa, nomeadamente no Café Luso, em 1936, e no Retiro da
Severa, em 1937.
Neste
mesmo ano, e nesta última casa, Retiro da Severa, o elenco privativo
transforma-se na "Embaixada do Fado do Retiro da Severa", integrando
grandes nomes como Maria Emília Ferreira, Maria do Carmo Torres, Alfredo Duarte
(Marceneiro), Júlio Proença, ou José Porfírio. Esta Embaixada desloca-se para
actuar, durante vários dias, no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, e no Teatro
Variedades, com apresentações sempre esgotadas e descrições nos jornais, tanto
no norte como em Lisboa, de um espectáculo de grande qualidade, onde muitas
vezes são destacadas as actuações de Berta Cardoso e Alfredo Marceneiro.
Em
1939 a fadista é contratada pela Companhia Beatriz Costa, que tem em Beatriz
Costa a figura central, para fazer um regresso a terras brasileiras, onde se
estreiam, no mês de Março, com a revista "Eh, Real", no Teatro
República do Rio de Janeiro. Apresentam também as revistas "Oh, meu rico
São João", "Dança da Luta" e "Pega-me ao Colo".
Ainda
em 1939 a fadista é homenageada pelos seus colegas no Retiro da Severa e, antes
de embarcar para o Brasil, grava, com Alfredo Marceneiro, actuações no Teatro
Variedades e no Retiro do Colete Encarnado, que serão apresentadas no filme
"Feitiço do Império", de António Lopes Ribeiro. Este filme estreia
nas salas de cinema em 1940, e tem apresentações até 1952.
Após
o regresso do Brasil, em 1940, passa a integrar a "Embaixada do Fado do
Solar da Alegria", que obtêm grande êxito em deslocações ao Teatro Sá da Bandeira,
no Porto. Neste elenco juntam-se a Berta Cardoso, outros nomes consagrados da
interpretação do Fado, caso de Maria Carmen, Júlio Proença e Amália Rodrigues.
Também no decorrer deste ano, Berta Cardoso prossegue as suas interpretações no
teatro, participando nas peças "Porto ao Sol", no Teatro Sá da
Bandeira, e "Toma Lá Cerejas!", estreada no Teatro Pax-Julia com a
Companhia do Teatro Apolo. Posteriormente a fadista integra o elenco da empresa
Monumental, como primeira figura do elenco (cf. "Guitarra de
Portugal", 25 de Dezembro de 1945), com o qual se apresenta não só em
Lisboa, mas também no Porto. Nos anos seguintes Berta Cardoso viaja para actuar
no Cine-Jardim, na Madeira, em 1947, e, em 1948, na peça "Isto é o
Porto", levada à cena no Teatro Sá da Bandeira, no Porto.
A
revista "Lisboa é Coisa Boa", de autoria de Eduardo Fernandes e
Ricardo Covões, estreia em Fevereiro de 1951, no Coliseu dos Recreios,
precisamente no dia em que se realiza o funeral da mãe de Berta Cardoso, sendo
feito um reconhecimento público à fadista pelo seu profissionalismo, por se ter
mantido em actuação num momento tão doloroso.
Também
durante o mês de Fevereiro de 1951, Berta Cardoso tirou a sua carteira
profissional, inscrevendo-se na categoria de "Artista Dramática". Mas
a partir de 1960, a cantadeira decide abandonar definitivamente os palcos do
teatro de revista.
Prossegue
pois com a sua carreira de fadista e com as gravações discográficas que,
durante as décadas de 1950 e 1960, são realizadas na Estoril, a mesma editora
que muitas décadas mais tarde, em 1992, lança o CD "Orquestra de
Guitarras", numa edição especial numerada e autografada, que integra seis
dos seus Fados com maior êxito.
A
partir desta altura, a actividade artística de Berta Cardoso vai-se centrando
mais nas actuações em Casas de Fado, como é o caso do Faia, casa onde os seus
colegas e amigos lhe prestam uma merecida homenagem em 1954.
Desde
1961 e até ao final da década seguinte, Berta Cardoso estabelece-se no elenco
da Viela, casa onde foi, também, homenageada em 1967.
Como
figura conceituada da interpretação do Fado tradicional, Berta Cardoso fez
também as suas aparições na televisão, destacando-se a sua presença, em 1969,
no programa de grande audiência "Zip, Zip", ou na transmissão da sua
festa no programa "Bodas de Ouro de uma Fadista".
Berta
Cardoso finaliza a sua longa carreira artística no ano de 1982, quando actua no
Poeta, espaço aberto, nesse mesmo ano, pelo poeta José Luís Gordo e a sua
esposa, a fadista Maria da Fé.
Apesar
de concluir o curso de enfermagem, com a especialização de obstetrícia, na
Faculdade de Medicina, em 1943, e de vários jornais e revistas anunciarem o seu
afastamento dos palcos do Fado, tal nunca veio a suceder. Berta Cardoso nunca
exerceu as funções de enfermeira e manteve a profissão de cantadeira muito
activa até 1982.
Berta
Cardoso foi internada num lar da Santa Casa da Misericórdia por lhe ter sido
diagnosticada uma doença degenerativa do sistema nervoso, já em estado muito
avançado, em 1996, a qual implicava cuidados e vigilância permanentes, tendo
falecido, nesse mesmo lar, a 12 de Julho de 1997.
Já
após a sua morte foram editados vários CD’s com a sua obra gravada,
nomeadamente "The Story of Fado", pela editora Hemisphere, em 1997,
"Portugal, Fado: Chant de l’mee", pelas Éditions du Chên, em 1998,
"Berta Cardoso, Márcia Condessa e Adelina Ramos", na colecção
"Fados do Fado", da editora Movieplay, em 1998 e, da mesma editora o
volume 1 da colecção "Fado Português", editado em 1999.
Reconhecendo
Berta Cardoso como uma figura emblemática do Fado tradicional, com uma larga
carreira sempre associada a esta canção urbana e representante de um período
muito característico da História do Fado, em 2006, o Museu do Fado organizou
uma exposição temporária centrada nesta fadista.
Fonte: Museu do Fado - Última
actualização: Março/2008
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